Entre os dias 15 e 22 de março, Mairiporã foi palco da 5ª edição do Intercâmbio Internacional de Teatro – Ofício e Raízes, promovido pelo grupo Contadores de Mentira. O encontro reuniu artistas do Brasil e do Peru em uma intensa programação de espetáculos, oficinas, demonstrações de trabalho e rodas de conversa, consolidando-se como um espaço de trocas sobre teatro, tradição popular e memória cultural.
Nesta edição, participaram o Grupo Yuyachkani (Peru), a Cia Biruta de Teatro (PE), o historiador João Batista S. Lima (BA), além do músico Henrique Menezes e da Mestra Zezé Menezes de Yemanjá (MA). O evento tem um caráter formativo para os artistas envolvidos, além de fomentar o diálogo com o público sobre temas históricos e sociais.
Teatro como resistência e memória
A abertura do intercâmbio trouxe à tona um dos temas centrais do evento: a Guerra de Canudos e suas narrativas. O historiador João Batista S. Lima ministrou a palestra “Canudos, narrativas e distorções: O fazer esquecer”, na qual abordou como essa parte da história brasileira foi silenciada ao longo do tempo. Descendente de conselheiristas, João Batista também acompanhou as apresentações teatrais que trataram da guerra, trazendo sua perspectiva sobre a representação artística desse episódio histórico.
O interesse por Canudos é um dos elos que uniu os Contadores de Mentira e a Cia Biruta de Teatro, que há anos mantêm um intercâmbio artístico. Ambos os grupos possuem espetáculos que abordam o tema: os Contadores de Mentira encenam “O Incrível Homem Pelo Avesso”, enquanto a Cia Biruta apresenta “Notícias do Dilúvio – Um canto a Canudos”. Para Daniele Santana, membra do Contadores de Mentira, trazer esses espetáculos para o mesmo evento foi uma forma de colocar essa guerra abafada em primeiro plano, destacando diferentes abordagens sobre um mesmo tema.
A programação também contou com a presença do Grupo Yuyachkani, um dos mais importantes coletivos de teatro da América Latina, com 55 anos de trajetória. Segundo Daniele, o grupo peruano já havia recebido os Contadores de Mentira em sua sede, mas esta foi a primeira vez que vieram ao Brasil para um intercâmbio no espaço do grupo mairiporanense.
“Foi um momento muito importante para nós. Tivemos atividades formativas, apresentações e, principalmente, a possibilidade de uma convivência mais íntima, de conversas e criações conjuntas”, destacou Daniele.
Trocas artísticas e criação coletiva
Durante a semana, os grupos participaram de encontros diários, nos quais compartilharam suas práticas teatrais, exercícios corporais e expressivos. Além disso, foram realizadas demonstrações de trabalho abertas ao público, permitindo que os espectadores acompanhassem os processos de criação dos grupos convidados.
Outro ponto alto da programação foram os ritos performáticos, momentos em que os artistas se reuniram para criar cenas e experiências coletivas, misturando diferentes linguagens cênicas e culturais. O público também teve a oportunidade de participar de oficinas de carimbó, máscaras, bumba meu boi e caixa do Divino, que reforçaram o caráter formativo do intercâmbio.
O encerramento ficou por conta do espetáculo musical “Encantarias do Maranhão”, com Henrique Menezes e Mestra Zezé Menezes de Yemanjá, que levaram ao palco manifestações da cultura popular maranhense. “Foi um final épico, com um show magnífico que celebrou tudo o que havíamos vivido durante essa semana intensa”, comentou Daniele.
Continuidade do projeto
O intercâmbio tem se consolidado como um espaço essencial de formação para os Contadores de Mentira. “Este é um momento em que conseguimos voltar um pouco para nós mesmos, nos alimentar de novas experiências e compartilhar conhecimento com quem está na estrada há mais tempo”, pontuou Daniele.
A 6ª edição do Intercâmbio Internacional de Teatro – Ofício e Raízes já tem data para acontecer: em abril, com foco especial na música. “Terminamos uma edição e já começamos outra. O que nos move é essa troca, essa busca constante pelo aprendizado”, concluiu Daniele.